quarta-feira, 20 de novembro de 2019

os gatos e a sra. christie (alberto lins caldas)

os gatos e a sra christie

● aqui tem um cheiro forte de amonia - pensei - ●
● gatos - gatos demais - enquanto dentro da casa ●
● aqui bichano - aqui paixão - titi - rene - xana - ●
● gaaato - miu - mikounu - mel - surgiu a mulher ●
● vestindo roupa de pele com pelos - uma gata - ●
● cabelos de cera - na goela uma echarpe de pele ●
● rubra - ?berenice - ?bichana - ?paulinho - ?teo - ●

● ?lili ?fred - a echarpe era um gato dormindo - ●
● gatos miavam alem da cerca - na casa miavam - ●
● miavam no jardim - no quintal - arvores muros - ●
● todos me olhavam com muita fome - isso sim - ●
● ao redor dela - vigiando - violentos - rudes - ●
● ela disse vivo pros meus gatos - unica alegria - ●
● unico prazer da vida - tudo q faço é por eles - ●

● não queridinha - ela nem ligou - riscou a mesa ●
● da sala - deitada passou a lingua no focinho - ●
● uuinhhhauuaaa - vesga - uuingghauuaaa - ●
● encarando - como se fosse leoa com fome - ●
● na outra sala - o cheiro era mais penetrante - ●

● caverna onde havia beleza horror silencio - ●
● como se brilhasse no escuro - olhos de gato - ●

● entrem belezinhas - escovas cheias de pelos ●
● nas mesas e cadeiras - almofadas rasgadas - ●
● ?flocão ?floquinho - vivo pros meus amores - ●
● disse a senhora christie - eles tudo entendem - ●
● sou alergico a gatos e como sempre os gatos ●
● vieram ao meu encontro - poe subiu em mim - ●
● outro se esfregou amorosamente na minha face ●

● mostrou a comida dos gatos - cama de gatos - ●
● dormem cinco no meu quarto - outros sete aqui - ●
● comem o melhor peixe q ha - sou eu q preparo - ●
● sua atenção continuou fixa nos gatos - ?wilton - ●
● ontem sai pro quintal porq dei falta da querida ●
● agatha - é gatinha nova - tava numa arvore - ●
● tive receio q não pudesse descer - tentei - sim ●

● a coitadinha tava assustada e desisti - ●
● voltei pra casa - acredite - foi so entrar - ●
● desceu vindo atras de mim - eles sempre sabem ●
● os queridinhos - ?não é - um persa acinzentado ●
● pos as patas nos meus joelhos - olhou e cravou ●
● garras com força como em travesseiro velho - ●
● o gato ruento q tava na mesa junto da lampada ●

● balançava levemente o rabo - você é belo - ●
● o gato mole se desenroscou do seu pescoço - ●
● olhando outro gato noutra mesa - disse - ●
● vc tambem é bela ?não é - passei os dedos ●
● em suas orelhas e ela ronronou - feche a porta ●
● quando sair - disse a sra christie falando ●
● da sala - ta ventando - não quero q adoeçam ●

● no mesmo capim selvagem diante da casa ●
● a sra christie reuniu os gatos - miando alto - ●
● me rodearam e saltaram rudes sobre mim - ●
● vim parar aqui so pra isso - nem sei porq - ●
● enquanto os gatos loucos me mordiam ouvi ●
● a sra christie dizer - vc veio so pra isso aqui - ●
● ser devorado - é estranho mas a vida é assim ●

● se não fosse alguem chegar - na hora - ●
● eu seria apenas merda de gato num areal ●
● nada importa - nada significa - mas me fez ●
● ver o caos as forças as ilusões - os gatos - ●
● descrer de gente q reverencia gatos demais ●
● e vivem sozinhas com gatos - e avestruzes - ●
● no mais isso é so uma narração tola e ociosa ●

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Macário: O Gato Mistério (T. S. Eliot)

MACAVITY: THE MYSTERY CAT
T. S. Eliot

Macavity’s a Mystery Cat: he’s called the Hidden Paw –
For he’s the master criminal who can defy the Law.
He’s the bafflement of Scotland Yard, the Flying Squad’s despair:
For when they reach the scene of crime – Macavity’s not there!
Macavity, Macavity, there’s no one like Macavity,
He’s broken every human law, he breaks the law of gravity.
His powers of levitation would make a fakir stare,
And when you reach the scene of crime – Macavity’s not there!
You may seek him in the basement, you may look up in the air –
But I tell you once and once again, Macavity’s not there!

Macavity’s a ginger cat, he’s very tall and thin;
You would know him if you saw him, for his eyes are sunken in.
His brow is deeply lined with thought, his head is highly domed;
His coat is dusty from neglect, his whiskers are uncombed.
He sways his head from side to side, with movements like a snake;
And when you think he’s half asleep, he’s always wide awake.
Macavity, Macavity, there’s no one like Macavity,
For he’s a fiend in feline shape, a monster of depravity.
You may meet him in a by-street, you may see him in the square –
But when a crime’s discovered, then Macavity’s not there!

He’s outwardly respectable. (They say he cheats at cards.)
And his footprints are not found in any file of Scotland Yard’s.
And when the larder’s looted, or the jewel-case is rifled,
Or when the milk is missing, or another Peke’s been stifled,
Or the greenhouse glass is broken, and the trellis past repair –
Ay, there’s the wonder of the thing! Macavity’s not there!

And when the Foreign Office find a Treaty’s gone astray,
Or the Admiralty lose some plans and drawings by the way,
There may be a scrap of paper in the hall or on the stair –
But it’s useless to investigate – Macavity’s not there!
And when the loss has been disclosed, the Secret Service say:
‘It must have been Macavity!’– but he’s a mile away.
You’ll be sure to find him resting, or a-licking of his thumbs;
Or engaged in doing complicated long division sums.

Macavity, Macavity, there’s no one like Macavity,
There never was a Cat of such deceitfulness and suavity.
He always has an alibi, and one or two to spare:
At whatever time the deed took place – MACAVITY WASN’T THERE!
And they say that all the Cats whose wicked deeds are widely known
(I might mention Mungojerrie, I might mention Griddlebone)
Are nothing more than agents for the Cat who all the time
Just controls their operations: the Napoleon of Crime!

MACÁRIO: O GATO MISTÉRIO
T. S. Eliot

Macário é o Gato Mistério conhecido como Pata Invisível –
pois é um gênio do crime que desafia a Lei.
Confunde a Scotland Yard e desespera o Esquadrão Aéreo:
pois quando chegam à cena do crime – Macário não está mais lá!
Macário, Macário, não há ninguém como Macário,
rompe todas as leis humanas e a lei da gravidade.
Seus poderes de levitação assustariam um faquir,
Quando chegam à cena do crime – Macário não está mais lá!
Podem procurá-lo no porão, podem procurá-lo pelo ar –
mas vou tornar a dizer: Macário não está mais lá!

Macário é um gato ruivo, muito alto e esguio;
poderiam reconhecê-lo se o vissem, pois, tem os olhos fundos.
Sua fronte mergulhada em pensamentos, sua cabeça abaulada;
Seu pelo coberto de poeira, seus bigodes amassados.
Balança a cabeça de um lado para outro como a cobra;
e quando pensam que está meio adormecido, ele está bem acordado.
Macário, Macário, não há ninguém como Macário,
pois é o inimigo em forma felina, o monstro da depravação.
Poderão vê-lo num beco, e avistá-lo na praça –
mas quando descobrem um crime, Macário não está mais lá!

Tem uma aparência respeitável. (Dizem que rouba nas cartas.)
E suas pegadas não constam de nenhuma ficha da Scotland Yard.
E quando assaltam a despensa, ou roubam o cofre de joias,
ou quando falta leite, ou outro gato é estrangulado,
ou o vidro da estufa é quebrado, ou a treliça precisa ser reparada –
Ai! Aí começam a pensar! Macário não está mais lá!

Quando o Ministro do Exterior descobre que um tratado foi rompido,
ou os Almirantes perderam seus planos ou esboços pelo caminho,
pode haver um papel solto no corredor ou nas escadas –
mas não adianta investigar – Macário não está mais lá!
Quando descobrem o que foi perdido, o Serviço Secreto anuncia:
‘Deve ter sido Macário!’– mas ele está a quilômetros dali.
Sempre estará descansando, ou lambendo as patas;
Ou ocupado fazendo cálculos muito complicados.

Macário, Macário, não há ninguém como Macário,
nunca houve outro Gato tão tinhoso e macio.
Sempre tem um álibi, ou até mais de um.
E não importa se aconteceu algo – MACÁRIO NÃO ESTAVA MAIS LÁ!
E dizem que todos os Gatos, cujos malfeitos são bem conhecidos
(posso citar Mungojina ou Ossobuco)
não passam de agentes do Gato que todo o tempo
controla suas ações: ele é o Napoleão do crime!

Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta 

sábado, 2 de março de 2019

O gato e o papagaio (Antônio Nunes)

O gato e o papagaio resolveram trabalhar juntos e firmaram uma parceria.
Pensaram para cá e para lá e decidiram abrir uma pizzaria.

O gato abria a massa e o papagaio espalhava o molho ainda morno.
O gato recheava as bordas e o papagaio cuidava do forno.

O negócio ia bem, mas não deu certo.
O papagaio comia a muçarela e o gato o atum,
quando o outro não estava por perto...

O sabor, me contaram, era algo indescritível.
Mas quando acabou a comida,
o papagaio tomou um susto terrível:
o gato sonhou com delicioso galeto...

Foi quando o papagaio pensou melhor a respeito:
bateu asas e foi se refugiar no alto de frondosa mangueira,
onde concluiu que tentar mudar a essência dos outros é tremenda bobeira.

Quem pensa em se aproveitar de um amigo,
ainda que mal não lhe queira,
em verdade, não pode sê-lo.
Não passa, pois, de grande perigo!

Fica aqui a moral desta história:
Abra o olho... e bata asas!


O gato preguiçoso (Antônio Nunes)


O gato preguiçoso não queria acordar,
Abria um olho, fechava o outro,
E voltava a cochilar...

O gato preguiçoso não queria levantar,
Espichava uma pata, espichava a outra,
Lentamente a espreguiçar...

O gato preguiçoso não saía do lugar,
Pisoteava a almofada, dobrava a espinha,
E se punha a bocejar...

O gato preguiçoso não queria se esforçar,
Se enrolava nas minhas pernas,
E ficava a ronronar... 

O gato preguiçoso não queria se movimentar,
A comida estava no prato, mas ele nem ia lá,
Preferia o petisco que estaria por ganhar...

À noite o gato sumia 
e se dedicava à cantoria 
quando o ouvíamos a miar: 
Miiiiiau!! Miiiiau!!





domingo, 30 de dezembro de 2018

Dar nomes aos gatos (T. S. Eliot)

The Naming of Cats is a difficult matter,
It isn't just one of your holiday games;
You may think at first I'm as mad as a hatter
When I tell you, a cat must have THREE DIFFERENT NAMES.
First of all, there's the name that the family use daily,
Such as Peter, Augustus, Alonzo or James,
Such as Victor or Jonathan, George or Bill Bailey -
All of them sensible everyday names.
There are fancier names if you think they sound sweeter,
Some for the gentlemen, some for the dames:
Such as Plato, Admetus, Electra, Demeter -
But all of them sensible everyday names.
But I tell you, a cat needs a name that's particular,
A name that's peculiar, and more dignified,
Else how can he keep up his tail perpendicular,
Or spread out his whiskers, or cherish his pride?
Of names of this kind, I can give you a quorum,
Such as Munkustrap, Quaxo, or Coricopat,
Such as Bombalurina, or else Jellylorum -
Names that never belong to more than one cat.
But above and beyond there's still one name left over,
And that is the name that you never will guess;
The name that no human research can discover -
But THE CAT HIMSELF KNOWS, and will never confess.
When you notice a cat in profound meditation,
The reason, I tell you, is always the same:
His mind is engaged in a rapt contemplation
Of the thought, of the thought, of the thought of his name:
His ineffable effable
Effanineffable
Deep and inscrutable singular Name.

Dar Nomes aos Gatos
T. S. Eliot

Dar Nomes aos Gatos é uma questão muito difícil,
Não apenas um mero jogo de palavras;
Poderá pensar que sou como o Chapeleiro Maluco
Quando lhe digo que um gato deve ter TRÊS DIFERENTES NOMES.
Primeiro, o nome como a família o chama todos os dias,
Como Pedro, Augusto, Alonso ou Jaime,
Como Vitor ou Jônatas, Jorge ou Bill Bailey –
Todos nomes diários e racionais.
Há nomes mais bonitos, se quiser sons mais suaves,
Alguns para os machos, outros para as fêmeas:
Como Platão, Admeto, Electra, Deméter –
Mas todos nomes diários e racionais.
Mas, digo-lhe, um gato precisa de um nome especial,
Um nome peculiar e mais digno,
Senão como manterá sua cauda perpendicular,
Ou inflará seus bigodes e alimentará seu orgulho?
De nomes desse tipo, posso fazer uma lista,
Como Munkustrap, Quaxo ou Coricopat,
Como Bombalurina, ou até Jellylorum –
Nomes que só podem ser de um gato.
Mas, acima e além disso, falta ainda um nome,
E este nome jamais saberão;
Um nome que nenhuma pesquisa revelará –
Mas O PRÓPRIO GATO SABE e nunca confessará.
Quando vir um gato em meditação,
A razão, lhe digo, é sempre a mesma:
Sua mente está ocupada em longa contemplação,
Pensando, pensando, pensando em seu nome:
Seu inefável pronunciável
Pronuncinefável
Singular, profundo e inescrutável nome

Tradução de Thereza Christina Rocque da Motta


O gato que passa (Gerson Valle)


O gato que passa
miando o choro de um bebê
me olha e me vê
como se eu fosse meu antepassado
lembrado em sua memória genética.

Nossos legados vão comandando
meus impulsos humanos
e seus passos brandos.
Seus olhos atentos
pelas madrugadas vão trepando
telhados e gatas
pelo instinto das garras.

Eu me sento e assisto,
pela TV ou internet,
a passagem dos séculos
com todos nossos vícios,
expondo-nos às miradas e feitiços
dos gatos e outros bichos.

Enquanto eu me debruço
no espírito do pássaro
fugindo à gula dos gatos,
a terra se rebela
contra a pacatez da espera.

Por dentro um grito
sai quebrando as pedras.
O vulcão vomita, o mar se agita,
o morro desfaz-se sobre as casas do bairro,
enterrando homens e mulheres
em seus abraços de orgasmos
de olhos fechados
como se não houvesse entorno.

E o que fica me desatina,
querendo rever a porção antiga
sem mais briga.
Agora que a força do braço torto
tornou-se no corpo morto
todos se perguntam a hora
em que a bomba estoura...

O gato espia
com ironia
toda utopia...

"Razão distópica", de Gerson Valle, in “Utopias na contramão”, Ibis Libris, 2018




sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Meu gato que não tenho (Alice Monteiro)


Penso que os poetas gostam de gatos.
Eu não fujo à regra.
E o gato que não tenho
sobe no meu armário,
desarruma meus vestidos
e se esconde das visitas inesperadas.

O gato que não tenho é macho e se chama João.
Ele passeia entre as peças de cerâmica
do aparador da sala e não quebra nada.
O gato que não tenho é um equilibrista.

Ele tem uma independência que me seduz.
Brinca como criança e sabe ser feliz
com pouca coisa.

O gato que não tenho é elegante, prateado
e de olhos cor de ardósia,
mas não é o Chico.

O gato que não tenho finge que não existo.
Mas seu lugar preferido é perto dos livros.
Acho que João gosta de ler.

Alice Monteiro, in "Ultramar e outros mares", Ibis Libris, 2018